Operários que trabalharam em obras de mina de urânio no CE tiveram câncer, diz pesquisador

Material radioativo pode trazer problemas à saúde, mas empresas afirmam que operação ocorreu dentro de normas seguras Reprodução  Projeto Sa...

Material radioativo pode trazer problemas à saúde, mas empresas afirmam que operação ocorreu dentro de normas seguras

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 Projeto Santa Quitéria (PSQ), que busca a exploração de fosfato e urânio no sertão do Ceará, tem uma história antiga. Os estudos sobre o material tiveram início há quase 50 anos, mas, embora o empreendimento nunca tenha entrado em operação, pode ter gerado impactos na saúde de trabalhadores que atuaram ainda na fase de pesquisas.

Segundo um relatório de 2022 da “Missão Santa Quitéria”, promovida pela Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a década de 1970 experimentou a escavação de três galerias no corpo da jazida de Itataia, maior reserva de urânio conhecida até hoje no Brasil. Nesse processo, operários se expuseram à radiação e podem ter desenvolvido doenças graves.

O objetivo da empreitada era a pesquisa e retirada de material para testes da rota tecnológica, que foram promovidas pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB), empresa pública que exerce, em nome da União, o monopólio do urânio no Brasil.

Atualmente, o projeto da mina é um consórcio entre a INB e a Galvani Fertilizantes. Contudo, ele só foi formado em 2009, e apenas a INB tinha competência sobre o local, nos anos 1970.

Em nota o PSQ, que atualmente busca licença prévia junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para as atividades na mina, ressaltou que, “durante a fase de pesquisa mineral, as atividades foram conduzidas com exposição ocupacional insignificante, conforme padrões da CNEN e normas trabalhistas”.

O CNEN é a sigla para Comissão Nacional de Energia Nuclear, órgão federal superior que estabelece normas e regulamentos em proteção radiológica e é responsável por regular, licenciar e fiscalizar a produção e a utilização da energia nuclear no Brasil.

No entanto, estudos acadêmicos rebatem essa afirmação. Em pesquisa de mestrado na Universidade Federal do Ceará (UFC), o biólogo sanitarista Rafael Dias de Melo mapeou indícios de comprometimento da saúde de operários locais contratados para a construção das estruturas de suporte e para a abertura de galerias subterrâneas, a partir de 1976.

O pesquisador, que segue as apurações no doutorado de Saúde Pública, também pela UFC, documentou que muitos trabalhadores eram provenientes dos assentamentos de Morrinhos e Queimadas, localizados a cerca de 3 km da jazida.

Segundo esses homens, naquele período, houve falta de repasse de informações sobre riscos do trabalho com minerais radioativos. Eles lembram que, no dia a dia, toneladas de rochas retiradas das galerias foram moídas para serem enviadas ao laboratório da CNEN e da INB em Poços de Caldas (MG).

Alguns relatos mencionaram “intensas coceiras na pele” após a trituração das rochas. Os homens trabalhavam sem nenhuma proteção adicional, “somente a roupa do corpo”, e ficavam cobertos de poeira. Porém, sem recomendações dos empregadores, consideravam o sintoma como normal.
Outro episódio mencionado pelos ex-empregados é que alguns aproveitaram a água que jorrou da abertura das galerias para irrigar hortas perto do pátio de entrada. Os alimentos produzidos – como cebolinha, alface e batata doce – eram utilizados nas refeições durante o trabalho.

Contudo, meses após o início desse aproveitamento, o cultivo das hortas foi proibido pelos superiores e destruído – novamente, sem apresentação transparente dos motivos.

“Décadas depois, alguns desses ex-trabalhadores e seus familiares enfrentaram câncer, enfrentam alguns casos, e até hoje ninguém assumiu a responsabilidade por uma exposição indevida à que os trabalhadores foram submetidos”, relata.
No período de maior volume de atividades, um grupo de pesquisadores da Universidade identificou cerca de 700 trabalhadores mobilizados, entre vínculos formais e informais, de diversas empresas. Muitos eram agricultores de fazendas próximas.

Hoje, o projeto preocupa parte da população da região pelos riscos de insegurança hídrica e vazamentos ou acidentes com material radioativo, que podem afetar tanto trabalhadores quanto habitantes.

Risco de radiação
A missão da Comissão Nacional de Direitos Humanos também visitou a Fazenda Itataia e constatou uma placa de “risco de radiação” na entrada de uma das galerias. Se um trabalhador cumprisse jornada dentro dela, calcularam os integrantes, a dose efetiva de radiação anual (usada para medir o potencial de efeitos a longo prazo no corpo humano) ultrapassaria o limite da norma da CNEN.

No relatório final, a entidade recomendou um possível ajuizamento de ação judicial por danos à saúde e ao meio ambiente causados pela emissão de radiação e de gás radônio, oriundo das galerias de pesquisa e áreas de depósito do material, desde a década de 1970, “visando à reparação dos prejuízos já causados, bem como o acompanhamento da saúde da população” local.

Segundo o pesquisador Rafael Dias, durante a prospecção, foram realizados 350 furos de sondagem na terra para a retirada de pedaços cilíndricos de rocha, chamados de “testemunhos”, para estudos sobre a presença do urânio.

Além disso, foram escavados cerca de 1.300 metros de galerias, com dimensões médias de 2,6 metros de largura por 2,4 metros de altura.
“Houve exposição a um material particulado, uma poeira, contendo uma grande quantidade de elementos radioativos, sobretudo urânio, tório e rádio, além da inalação de um gás radioativo chamado radônio, em jornadas de trabalho que eram muito superiores às preconizadas pelas normativas de proteção de saúde dos trabalhadores”, conta o biólogo, tendo encontrado registros de até 15 horas por dia.

Juntando esses relatos ao caso da horta, os estudiosos acumulam provas de que os operários foram expostos a uma radiação possivelmente depositada no organismo, principalmente no sistema gastrointestinal e nas vias respiratórias.

Atualmente, a pesquisa, iniciada em julho de 2023, está em uma fase de “estudo caso a caso entre aqueles que foram identificados estão ou que faleceram com câncer”, a fim de construir “esse passado silenciado”, explica Rafael.

Contudo, em nota, o Projeto Santa Quitéria ressaltou que segue “rigorosamente” os protocolos de saúde ocupacional exigidos pelos órgãos reguladores, incluindo monitoramento periódico dos colaboradores.

Tecnologias são confiáveis, diz representante
Em entrevista à reportagem, Christiano Brandão, gerente de Licenciamento Ambiental na Galvani Fertilizantes, reforça que “todos os trabalhadores” que operaram na abertura das galerias “têm seus registros ocupacionais”. Com base nisso, “nós não temos notícia de nenhuma situação, de nenhuma questão ocupacional envolvendo essas pessoas”.

“Existem normas técnicas que são muito claras, são atividades muito acompanhadas. O desenvolvimento das tecnologias é absolutamente confiável no que diz respeito a essas questões”, pondera.
O engenheiro ambiental considera que, hoje, o PSQ está “num nível de maturidade muito elevado”, “num nível quase que executivo”. “Então, a gente tem total conforto em relação à proteção dos trabalhadores e dos moradores do entorno do projeto”, afirma.

A nota do Consórcio complementa que, atualmente, não há operação nas galerias de Itataia, “mantendo-se condições totalmente seguras”.

Fonte- Diário do Nordeste

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