Síndrome genética rara se espalha por cidade no interior do Ceará e famílias com casos serão estudadas
Marleide e os filhos José e José Arthur, ambos diagnosticados com a Síndrome do X Frágil. — Foto: Arquivo pessoal Uma única família de T...
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Marleide e os filhos José e José Arthur, ambos diagnosticados com a Síndrome do X Frágil. — Foto: Arquivo pessoal
Uma única família de Tauá, a 342 quilômetros de Fortaleza, reúne mais de 10 casos suspeitos e confirmados da Síndrome do X Frágil.
Pelo menos cinco famílias da cidade cearense de Tauá, a 342 quilômetros de Fortaleza, têm casos confirmados e suspeitos da Síndrome do X Frágil, condição genética rara que causa deficiência intelectual. A grande incidência do distúrbio no município chamou a atenção de pesquisadores no Paraná, que irão investigar os registros na cidade.
O Instituto Lico Kaesemodel (LK), que conta com mais de 800 pessoas cadastradas, desenvolve, desde 2016, pesquisas em busca de obter o diagnóstico e/ou compreender melhor a síndrome. As famílias de Tauá participarão de um estudo, previsto para começar neste ano, com o objetivo de mapear a doença na cidade.
A origem da Síndrome do X Frágil está em mutações no gene FMR1, responsável por produzir uma proteína que afeta o desenvolvimento de conexões do sistema nervoso. Ocorre, então, uma falha no cromossomo X, chamada de sítio frágil. Os especialistas apontam que os sinais são mais visíveis em meninos, já que homens possuem apenas um cromossomo X e o outro é do tipo Y. Nesse caso, se o X for afetado, não há outra forma de produção da proteína. Já em meninas, que possuem dois cromossomos X, ainda que exista mutação, os sintomas são mais leves.
“A ideia [do estudo] é poder realizar os exames de todos os casos suspeitos, fazer a coleta lá e mandar para a Universidade de Sacramento ou para o laboratório parceiro em São Paulo. Por enquanto, temos cinco famílias de Tauá cadastradas. Queremos investigar se há um motivo para tantos casos no mesmo local, porque não tem outro lugar assim no Brasil”, explica a psicóloga Luz María Romero, gestora do Instituto Lico Kaesemodel.
Entre as famílias da cidade cearense está a de Marleide Soares, 38, que se dedica aos cuidados dos filhos José, 13, e José Arthur, 4, ambos diagnosticados com essa condição. Na família de Marleide, ela calcula mais de 10 casos suspeitos e confirmados da síndrome.
José tinha apenas 2 anos e meio quando o andar na ponta dos pés e os movimentos repetitivos chamaram a atenção da mãe. O resultado do exame, feito a partir do plano de saúde, apontou a síndrome. Para consultar um geneticista, Marleide fez o percurso de Tauá, sua cidade natal, até Fortaleza. “Na família da minha mãe tem muitas crianças com doenças parecidas, mas que nunca foram diagnosticadas”, diz.
Uma das tias de Marleide deu à luz 10 filhos, dos quais sete apresentam déficit intelectual. Já uma de suas primas é mãe de cinco filhos, três dos quais são homens com problemas neurológicos. Por orientação médica, Marleide também passou pelo exame e descobriu que possui a síndrome. Os sintomas, contudo, nunca se manifestaram.
“Fizemos tratamento com fonoaudióloga, psicóloga. Hoje o José tem 13 anos e é muito inteligente pra informática, mexer com celular, computador. Mas pra outras coisas ele tem dificuldade”, revela.
Ela lembra que, um ano após o diagnóstico, o pai do menino abandonou a família. Mais tarde, Marleide se casou novamente e decidiu ser mãe mais uma vez. “Eu pensei muito nisso, tinha medo. Mas mesmo sabendo que meu segundo filho teria 50% de chance de ter a síndrome, eu resolvi engravidar, tentar”.
A família então recebeu José Arthur, e a Síndrome do X Frágil foi identificada. O quadro dele, porém, era mais grave, acompanhado do Transtorno do Espectro Autista (TEA). “Ele ‘tá’ com 4 anos e ainda não fala. Ainda usa fralda. Só andou depois de 2 anos”, diz a mãe. Com o nascimento do segundo filho, Marleide precisou deixar o emprego para se dedicar integralmente às crianças.
Atendimento
José é atendido por psiquiatra em um Centro de Apoio Psicossocial (Caps) de Tauá e por fonoaudióloga em sistema particular. Ele também depende de duas medicações diferentes. O mais jovem, José Arthur, recebe atendimento de neurologista também por plano de saúde e costumava passar por sessões de fonoaudiologia e terapia ocupacional uma vez por semana.
“Ele ia todo sábado, mas faz dois meses que eu não levo porque é em uma clínica em Picos, no Piauí. Porque não tem esse serviço especializado aqui. Cada sessão individual custava R$ 120. Com o período de volta às aulas, eu não pude mais levar”, lamenta.
Sem a terapia, o quadro de José Arthur piora, com crises frequentes. "Ele tem muita estereotipia, que é aquele balançar de braços. É uma forma de reorganizar o cérebro dele, então a gente não pode pedir pra ele parar. Ele tem medo de degraus, de elevador. Eu não tenho condição financeira de ter acompanhamento específico pra ele. Precisa de terapeuta ocupacional, com experiencia em integração psicossocial. Aqui na cidade não tem", diz.
No meio social em que convivem, Marleide percebe exclusão por parte de outras famílias.
"A gente não é convidado pra aniversário nenhum. Onde eu chego, tenho que falar, dar explicações e aguentar críticas. Ninguém tem a obrigação de saber da doença, mas tem que respeitar", desabafa.
Causas
Um dos desafios para o diagnóstico dessa condição é sua similaridade com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), que, em 60% dos casos, acompanha a Síndrome do X Frágil. Os sinais a serem observados, porém, incluem deficiência intelectual ou dificuldades no aprendizado, atraso para começar a caminhar ou engatinhar e para começar a falar. Já na adolescência, podem ser notadas características como face alongada, mandíbula proeminente e orelhas grandes e em forma de abano.
Em muitos casos, o acesso ao exame é outro obstáculo até o diagnóstico correto. “Para detectar, é feito o exame genético PCR, a partir da amostra de sangue. Não é barato, muda muito de região para região. Pode variar de R$ 1.500 até R$ 4 mil ou R$ 5 mil. O SUS tem esse exame em sua grade, mas, na prática, nem sempre é feito”, diz Luz María Romero, do Instituto Lico Kaesemodel.
Em Fortaleza, o Hospital Infantil Albert Sabin (Hias) realiza o exame, por estar incluído na categoria de Centro de Referência em Doenças Raras. “A pessoa vai até o posto de saúde, o médico identifica a necessidade e encaminha a criança para o sistema de referência, que passa o paciente para o Sabin. Aí ele vai ser atendido em uma terça-feira, que é o dia para casos novos, às 7h, na sala 21. Se o resultado for positivo, a gente dá toda a orientação e procura outras pessoas da família que possam ser afetadas pela mesma condição”, explica Erlani Pinheiro, geneticista do Hias.
Fonte: G1 Ceará
O Instituto Lico Kaesemodel (LK), que conta com mais de 800 pessoas cadastradas, desenvolve, desde 2016, pesquisas em busca de obter o diagnóstico e/ou compreender melhor a síndrome. As famílias de Tauá participarão de um estudo, previsto para começar neste ano, com o objetivo de mapear a doença na cidade.
A origem da Síndrome do X Frágil está em mutações no gene FMR1, responsável por produzir uma proteína que afeta o desenvolvimento de conexões do sistema nervoso. Ocorre, então, uma falha no cromossomo X, chamada de sítio frágil. Os especialistas apontam que os sinais são mais visíveis em meninos, já que homens possuem apenas um cromossomo X e o outro é do tipo Y. Nesse caso, se o X for afetado, não há outra forma de produção da proteína. Já em meninas, que possuem dois cromossomos X, ainda que exista mutação, os sintomas são mais leves.
“A ideia [do estudo] é poder realizar os exames de todos os casos suspeitos, fazer a coleta lá e mandar para a Universidade de Sacramento ou para o laboratório parceiro em São Paulo. Por enquanto, temos cinco famílias de Tauá cadastradas. Queremos investigar se há um motivo para tantos casos no mesmo local, porque não tem outro lugar assim no Brasil”, explica a psicóloga Luz María Romero, gestora do Instituto Lico Kaesemodel.
Entre as famílias da cidade cearense está a de Marleide Soares, 38, que se dedica aos cuidados dos filhos José, 13, e José Arthur, 4, ambos diagnosticados com essa condição. Na família de Marleide, ela calcula mais de 10 casos suspeitos e confirmados da síndrome.
José tinha apenas 2 anos e meio quando o andar na ponta dos pés e os movimentos repetitivos chamaram a atenção da mãe. O resultado do exame, feito a partir do plano de saúde, apontou a síndrome. Para consultar um geneticista, Marleide fez o percurso de Tauá, sua cidade natal, até Fortaleza. “Na família da minha mãe tem muitas crianças com doenças parecidas, mas que nunca foram diagnosticadas”, diz.
Uma das tias de Marleide deu à luz 10 filhos, dos quais sete apresentam déficit intelectual. Já uma de suas primas é mãe de cinco filhos, três dos quais são homens com problemas neurológicos. Por orientação médica, Marleide também passou pelo exame e descobriu que possui a síndrome. Os sintomas, contudo, nunca se manifestaram.
“Fizemos tratamento com fonoaudióloga, psicóloga. Hoje o José tem 13 anos e é muito inteligente pra informática, mexer com celular, computador. Mas pra outras coisas ele tem dificuldade”, revela.
Ela lembra que, um ano após o diagnóstico, o pai do menino abandonou a família. Mais tarde, Marleide se casou novamente e decidiu ser mãe mais uma vez. “Eu pensei muito nisso, tinha medo. Mas mesmo sabendo que meu segundo filho teria 50% de chance de ter a síndrome, eu resolvi engravidar, tentar”.
A família então recebeu José Arthur, e a Síndrome do X Frágil foi identificada. O quadro dele, porém, era mais grave, acompanhado do Transtorno do Espectro Autista (TEA). “Ele ‘tá’ com 4 anos e ainda não fala. Ainda usa fralda. Só andou depois de 2 anos”, diz a mãe. Com o nascimento do segundo filho, Marleide precisou deixar o emprego para se dedicar integralmente às crianças.
Atendimento
José é atendido por psiquiatra em um Centro de Apoio Psicossocial (Caps) de Tauá e por fonoaudióloga em sistema particular. Ele também depende de duas medicações diferentes. O mais jovem, José Arthur, recebe atendimento de neurologista também por plano de saúde e costumava passar por sessões de fonoaudiologia e terapia ocupacional uma vez por semana.
“Ele ia todo sábado, mas faz dois meses que eu não levo porque é em uma clínica em Picos, no Piauí. Porque não tem esse serviço especializado aqui. Cada sessão individual custava R$ 120. Com o período de volta às aulas, eu não pude mais levar”, lamenta.
Sem a terapia, o quadro de José Arthur piora, com crises frequentes. "Ele tem muita estereotipia, que é aquele balançar de braços. É uma forma de reorganizar o cérebro dele, então a gente não pode pedir pra ele parar. Ele tem medo de degraus, de elevador. Eu não tenho condição financeira de ter acompanhamento específico pra ele. Precisa de terapeuta ocupacional, com experiencia em integração psicossocial. Aqui na cidade não tem", diz.
No meio social em que convivem, Marleide percebe exclusão por parte de outras famílias.
"A gente não é convidado pra aniversário nenhum. Onde eu chego, tenho que falar, dar explicações e aguentar críticas. Ninguém tem a obrigação de saber da doença, mas tem que respeitar", desabafa.
Causas
Um dos desafios para o diagnóstico dessa condição é sua similaridade com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), que, em 60% dos casos, acompanha a Síndrome do X Frágil. Os sinais a serem observados, porém, incluem deficiência intelectual ou dificuldades no aprendizado, atraso para começar a caminhar ou engatinhar e para começar a falar. Já na adolescência, podem ser notadas características como face alongada, mandíbula proeminente e orelhas grandes e em forma de abano.
Em muitos casos, o acesso ao exame é outro obstáculo até o diagnóstico correto. “Para detectar, é feito o exame genético PCR, a partir da amostra de sangue. Não é barato, muda muito de região para região. Pode variar de R$ 1.500 até R$ 4 mil ou R$ 5 mil. O SUS tem esse exame em sua grade, mas, na prática, nem sempre é feito”, diz Luz María Romero, do Instituto Lico Kaesemodel.
Em Fortaleza, o Hospital Infantil Albert Sabin (Hias) realiza o exame, por estar incluído na categoria de Centro de Referência em Doenças Raras. “A pessoa vai até o posto de saúde, o médico identifica a necessidade e encaminha a criança para o sistema de referência, que passa o paciente para o Sabin. Aí ele vai ser atendido em uma terça-feira, que é o dia para casos novos, às 7h, na sala 21. Se o resultado for positivo, a gente dá toda a orientação e procura outras pessoas da família que possam ser afetadas pela mesma condição”, explica Erlani Pinheiro, geneticista do Hias.
Fonte: G1 Ceará