História de jovem estuprada e torturada pelo padrasto por oito anos revolta internautas | Diário Sobralense News

História de jovem estuprada e torturada pelo padrasto por oito anos revolta internautas

Vítima, que procurou polícia após incentivo de amigos, recebe apoio nas redes sociais com a hashtag #SomosTodasEva Louise Queiroga, da Agê...

Vítima, que procurou polícia após incentivo de amigos, recebe apoio nas redes sociais com a hashtag #SomosTodasEva

Louise Queiroga, da Agência O Globo
Nesta terça-feira (19), a jovem baiana e estudante universitária, Eva Luana da Silva, de 21 anos, denunciou, em seu perfil no Instagram, os oito anos em que sofreu abusos sexuais, tortura e agressões cometidas por seu padrasto. A estudante de Direito relatou que chegou a abortar "diversas vezes". Sua história comoveu e revoltou internautas, repercutindo nas redes sociais por meio da hashtag #SomosTodasEva.
Foto: Reprodução
Segundo a delegada Florisbela da Rocha, da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) de Camaçari (BA),  o padrasto da vítima teve a prisão preventiva decretada e as investigações foram encerradas. O processo corre em segredo de justiça.

Eva Luana procurou a polícia no dia 30 de janeiro, quando prestou depoimento e pediu medidas protetivas para ela e sua mãe, que também sofria violência doméstica. Os agentes da Deam realizaram diligências e prenderam o agressor no último dia 13. De acordo com a delegada, mãe e filha estão recebendo atendimentos médico e psicológico.

Com uma adolescência marcada por abusos e ameaças, a vítima recebeu o apoio e incentivo de amigos para denunciar as agressões que sofria.

— Colegas da vítima desconfiavam do que acontecia e a encorajaram a procurar ajuda. Ela tomou coragem — contou Rocha.

'Já abortei diversas vezes'

Em seu perfil no Instagram, Eva Luana relatou que aos 12 anos começou a ser abusada sexualmente pelo padrasto, descrito como "obsessivo e ciumento" com a mãe dela, a quem também agredia. A jovem disse que sua vida era "uma prisão sem grade, literalmente".

"Ele me agredia nos estupros, mas, depois de um tempo, só utilizou das ameaças contra a minha família. Eu era usada como um lixo. Já abortei diversas vezes. Nunca pude ir ao médico para fazer curetagem. Todas as vezes sangrava e passava mal a noite inteira. Já vi os bebês inteiros no vaso sanitário", afirmou. "Minha mãe apanhou tanto que teve um parto prematuro. Meu irmão morreu depois de seis dias de nascido. Quando ela estava grávida dele, levou diversos chutes e joelhadas na barriga. Ele não queria mais um filho".

A delegada que está com o caso ressalta que a violência doméstica por si só "é muito constrangedora", porque as vítimas ficam muito próximas do agressor.

— O dano psicológico agride muito mais do que o físico — afirma Rocha.

Aos 13 anos, Eva Luana registrou ocorrência contra o padrasto pela primeira vez, mas acabou retirando a queixa pouco depois. Na rede social, a jovem contou que foi ameaçada na época e sentiu muito medo.
"Nessa denúncia eu tinha certeza que seria salva por todos. Mas não foi isso que aconteceu. O Estado falhou a tal ponto que o meu caso não chegou nem ao Ministério Público. Fui obrigada a retirar a queixa por ameaças do meu padrasto. Ele utilizou o poder financeiro pra comprar a liberdade e comprar a minha alma. Porque ali eu perdi a minha alma. E o que eu fui denunciar, 1 ano de sofrimento, se multiplicou em mais 8 anos", escreveu.

Para Rocha, tais ameaças são uma característica do homem que pratica violência doméstica.

— Ele tem em mente que vai vencer pelo medo — afirmou. — Eu aconselho que esse seja o exemplo: procure a polícia, não deixe de procurar ajuda, porque a gente pode evitar muito sofrimento.

"Medo me define por completo, no entanto, tenho forças pra dizer: Lutei como uma garota e vou continuar lutando por outras garotas. Se algo me acontecer, eu não terei dúvidas que tentei sair dessa e lutei essa guerra com todas as minhas forças", disse Eva Luana no Instagram. "Ele não pode sair impune, a justiça tem que ser feita o quanto antes".

De acordo com o Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA), foi oferecida denúncia contra o padrasto da jovem no último dia 11, por todos os crimes narrados pela vítima.

"A Instituição recebeu o inquérito da Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) no dia 07 e realizou a oitiva da vítima no dia 08. Foram também requeridas pelo Ministério Público a medida de busca e apreensão de provas e a prisão preventiva do acusado, que foi cumprida no último dia 13. Além da promotora de Justiça Anna Karina Senna, substituta na 10 Promotoria de Justiça de Camaçari, mais cinco promotoras de Justiça foram designadas para atuarem na análise do referido inquérito. O processo penal encontra-se em segredo de justiça por força de lei", diz a nota.


Apoio nas redes: #SomosTodasEva
A hashtag #SomosTodasEva vem sendo usadas por internautas, incluindo famosos, como forma de apoio à Eva Luana e a todas as mulheres que passam por vivências semelhantes.

Leia abaixo, na íntegra, o relato de oito anos de agressões e abusos sofridos por Eva Luana:
"A todos que me ajudaram até aqui, seja no 'desaparecimento' ou agora, com os fatos verdadeiros, a minha eterna gratidão. Aos meus amigos de infância, que eu fui obrigada a abandonar um por um, preciso pedir perdão. Não vou citar nomes, mas quem está firme comigo sabe, eu vou retribuir com todo o meu amor e relembrar até a minha velhice.

Meu caos teve início quando eu tinha 12 anos, minha mãe era agredida, abusada, violada e torturada quase todos os dias. Meu padrasto era obsessivo e ciumento com ela. Resumindo de uma maneira geral, ela era agredida com chutes, joelhadas, objetos.. Era abusada sexualmente de todas as formas possíveis. Era obrigada a tomar bebidas até vomitar e quando vomitava tinha que tomar o próprio vômito como castigo.

Ele começou a me abusar sexualmente. Eu tinha nojo, repulsa, ódio e não entendia porque aquilo acontecia comigo. Me sentia uma criança estranha e diferente das outras. Achava que aquilo só acontecia comigo.

Eu tentei por diversas vezes ir para a casa da minha avó, mas ele sempre ligava ameaçando todos, dizendo que iria matar e fazer várias coisas assim. Então era uma prisão sem grade, literalmente. Quando eu fiz 13 anos denunciei. Nessa denúncia eu tinha certeza que seria salva por todos. Mas não foi isso que aconteceu. O Estado falhou a tal ponto que o meu caso não chegou nem ao Ministério Público. Fui obrigada a retirar a queixa por ameaças do meu padrasto. Ele utilizou o poder financeiro pra comprar a liberdade e comprar a minha alma. Porque ali eu perdi a minha alma. E o que eu fui denunciar, 1 ano de sofrimento, se multiplicou em mais 8 anos.

Desde então, os abusos, torturas e todo tipo de agressão foram aumentando dia após dia, ano após ano. Eu não tive mais vida social. Tudo era uma farsa. Ele nos obrigava a fingir que tínhamos uma família perfeita. As agressões eram verbais, físicas e psicológicas. Entre elas, comer muito, em tempo estipulado, isso aconteceu com uma pizza família, pra comer inteira em 10 minutos. Óbvio que não conseguimos. Também tomar 2 litros de refrigerante nesses 10 minutos.. eu levei socos no rosto e ele não me deixava me proteger com a mão. Chutes até cair no chão e de 4 ele enfiou as pizzas na minha boca me chamando de animal, eu vomitei e comi meu próprio vômito. Meu gato comeu um pedaço e lambeu outro, ele me obrigou a comer o que ele havia lambido. Eu apanhei a noite toda e no outro dia eu tinha que fingir que nada havia acontecido.

Eu era obrigada a fazer todos os trabalhos da faculdade dele e se eu não fizesse perfeito eu pagava o preço. Eu também respondia todas as provas da faculdade, era obrigada a sair mais cedo da minha aula pra responder às provas dele pelo celular.

Existiam castigos e punições pra tudo. Até mesmo se eu não pagasse uma conta no banco que estava super lotado, mesmo tendo horários no trabalho ou estágio.

Meu celular era vistoriado todos os dias à noite. Ele desinstalava o whatsapp e reinstalava novamente pra poder recuperar as conversas apagadas. Eu não podia namorar. Eu não podia sair com meus amigos, não tinha vínculo social com ninguém. Todos os vínculos eram vigiados e ele sempre respondia pessoas como se fosse eu. Todas as minhas senhas no celular, redes sociais e Gmail eram monitoradas por ele.

Me vigiava na porta da sala da faculdade. Todos percebiam e me viam chorando. Ele me tratava mal em público. Ele me agredia nos estupros mas depois de um tempo, só utilizou das ameaças contra a minha família. Eu era usada como um lixo. Já abortei diversas vezes. Nunca pude ir ao médico pra fazer curetagem. Todas as vezes sangrava e passava mal a noite inteira. Já vi os bebês inteiros no vaso sanitário.

Eu era chamada de burra, anta, doente, demente todos os dias e era obrigada a repetir isso pra mim mesma. Quando era solicitada pelo trabalho ou convidada pra algo que eu não poderia recusar, era obrigada a mandar print pra ele me permitir ir ou não. Minha mãe era agredida psicologicamente constantemente também, não tinha mais voz ativa dentro de casa. Ele arrancou a alma dela também. Ele é um monstro, perdi minha infância e adolescência. Me sentia um lixo por não ter forças pra pedir ajuda e por sentir tanto medo.

Minha irmã não tinha amor de um pai. Ela morria de medo dele pois sempre viu ele fazendo essas atrocidades conosco. Ele foi um pai macabro pra ela. Não tínhamos liberdade, respeito e cuidado. Nosso dinheiro era entregue pra ele sempre. Não tínhamos autoridade pra poder comprar ou utilizar como queríamos. Tapas inesperados, gritaria e agressões eram constantes a qualquer momento.

Minha mãe apanhou tanto que teve um parto prematuro, meu irmão morreu depois de 6 dias de nascido. Quando ela estava grávida dele levou diversos chutes e joelhadas na barriga. Ele não queria mais um filho. Ela pulou um muro pra se salvar, mais de 2 metros de muro com as unhas.

Eu passei em várias faculdades mas só pude ficar onde ele autorizou. Eu era vigiada. Meu aniversário foi comemorado no meu estágio e eu não pude estar presente. Dormia sempre na casinha da minha cachorra, local sujo e úmido sem ventilação ou janelas. Lá não tinha luz. Passei várias horas sem comer. Era obrigada a passar a madrugada inteira em pé , durante horas e horas, até amanhecer o dia. Já dormi na rodoviária várias vezes. Obrigada a ir e voltar da faculdade andando. Cruzava a cidade inteira tarde da noite com medo, fome e às vezes na chuva. Quando chegava em casa não podia sentar e tudo iniciava novamente.  Eu já sai pelada na rua de madrugada e ele dizia que era para eu ser estuprada por homens.

Ele tirava fotos minhas com o meu celular e enviava pra ele mesmo, pra fingir que era eu, criava conversas nojentas com ele mesmo. Meu celular era monitorado sempre. Eu perdi os amigos e a confiança na justiça. Minha família era proibida de se aproximar então todos achavam que eu e minha mãe não queríamos contato. Mas na verdade éramos proibidas por ele em tudo que fazíamos. Eu sinto ânsia,  repulsa e pavor da presença dele. Eu tive tanto medo de morrer, de perder a minha irmã ou minha mãe.

Ele é um monstro obsessivo e possessivo. Nossos gritos foram calados e tem muito mais pra contar que não daria pra escrever aqui. Eu tentei gravar um vídeo, mas pra mim foi muito mais pesado essa gravação.

Essa foto mostra ele me procurando pelo vidro da porta da sala, ele sempre fazia isso durante as minhas aulas.

Decidi escrever. Fui salva e resgatada por anjos. Um anjo se apaixonou por mim e não compreendeu o porque que eu era tão triste. Eu só falei a verdade pra ele porque achava que iria morrer. Ou ele mataria ou eu me mataria. Tentei me suicidar várias vezes com cortes e remédios. Eu contei a verdade pois não aguentava mais. Ele buscou ajuda de um outro anjo, que me mostrou que a justiça ainda pode nos salvar.

Desde então, todos colaboram como uma cadeia de solidariedade e amor. Estamos em segurança, mas ao mesmo tempo correndo riscos. Medo me define por completo, no entanto, tenho forças pra dizer: Lutei como uma garota e vou continuar lutando por outras garotas. Se algo me acontecer, eu não terei dúvidas que tentei sair dessa e lutei essa guerra com todas as minhas forças.

Eu sou apaixonada pela vida e pela liberdade, eu pulei fases, pulei etapas, não tive adolescência, nem infância... Ele não pode sair impune, a justiça tem que ser feita o quanto antes.

Estado, não falhe comigo novamente.

Com amor, Eva".

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